Pinheiros, Amoras e Mulheres...


Na frente de casa existe um lago cercado de Pinheiros. Desde criança, nunca entendi direito a utilidade ou beleza dos Pinheiros. Eles não fazem sombra, pois suas folhas são “agulhadas”. Também não dão frutos, apenas pinhas secas; não permitem que as crianças subam e brinquem neles, pois são altos e cobertos por uma casca grossa e melada, e, não bastasse tudo isso, ainda atraem raios. Pois é, nunca entendi pra quê tantos pinheiros em volta do meu lago.
Por outro lado, sempre fui apaixonado por amoras. Meus pés, quando criança, eram sempre roxos e meus lábios e mãos pareciam frequentemente dedurar esse meu gosto. A Amoreira sim é uma árvore louvável. Ela tem folhas largas e férteis que fazem sombra, galhos firmes nos quais podemos subir e, como se quisesse fazer um agrado a todas as crianças do mundo, permite que seus galhos pesados de frutos sempre fiquem à altura dos braços. Eu amo as Amoreiras e elas sempre me provaram à recíproca. 
Do outro lado da rua, na calçada em frente aos Pinheiros, existe uma linda Amoreira. Gorda, cheia, roxa, feminina, com pássaros que nela pousam, com pessoas penduradas.. Todo mundo, quando passa por ela, sempre olha para ver se tem amoras. Tenho pra mim que os Pinheiros nunca lidaram muito bem com isso. Na verdade as pessoas até procuram não passar perto, já que toda hora cai uma pinha pontuda num lugar aleatório. E sempre foi assim, parece que a rua separa dois mundos completamente diferentes. Tenho várias lembranças de meus amigos e eu, com bicicletas daquele lado da rua, nunca do outro. 
Hoje eu tive que acordar mais cedo e saindo pra rua, vocês não imaginam o que aconteceu! Certamente o Pinheiro, que sabia que eu nunca saía àquela hora, aproveitou para ousar. Não aguentou o charme lilás da Amoreira e tentou atravessar a rua! Aquele Pinheiro, mesmo no alto de sua altivez longilínea e prepotente não foi forte o suficiente diante do convite feminino da Amoreira. Eu não estava acreditando que ele havia cedido a tal ponto! Até que enfim mostrou-se gente, dessas de verdade, que ama e tem libido! Mesmo tentando me conter, ele percebeu no meu olhar algo de “eu sempre soube que você não era tão durão”. Diante do meu carro ele quebrou, literalmente, óbvio que na tentativa de simular um acidente e me fazer não perceber. Pobre pinheirinho... Também sou homem, sei como essas coisas funcionam.. De frente à ele a Amoreira, melindrosa que só, estava mais vermelha do que nunca. Mas, dessa vez, um vermelho de charme, não de amora. Deliciosamente degustava a cena de desajeito protagonizada pelo Pinheiro pego no pulo. Com o orgulho de qualquer mulher, se demorava no prazer que isso lhe dava. Afinal, era a prova de seu poder de provocar! Por algum tempo ficamos ali, nós três (sim, eu de “vela”). Não vou negar que não facilitei; fiquei ali plantado assistindo aquele flerte mal sucedido, aquela paquera improvável, aquele impulso apaixonado. 
Comecei a respeitar o Pinheiro. Tem que ser muito homem pra fazer o que ele fez. Ele abriu mão da sua fama de mal, da sua zona de conforto e pôs-se ali, à mercê do julgamento imprevisível da Dama de Roxo. Abdicou de todos os seus metros e agora estava lá, todo atrapalhado, embolado na fiação elétrica.. Mas, de cabeça erguida. Parecia que ele havia pensado muito antes de fazer o que fez e sim, concluiu que tal tentativa valeria a sua vida. Era ali, diante de mim, um homem com um propósito que valeu sua vida. 
Ah, mesmo depois de eu explicar toda a história para o moço da companhia elétrica, ele continuou bitolado na ideia maluca de que foi um raio o causador de tudo aquilo. Eu pensei “É exatamente o que o Pinheiro queria que eu pensasse..”. Dei uma risadinha de canto de boca e segui meu caminho, já estava atrasado.

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