Carta aos pais músicos (dos meus alunos)
Pais, é com muito ciúme que começo já reconhecendo
que ninguém anseia mais prazeres a esses futuros músicos, que vocês. Mas as
vezes a boa intenção vem carregada de ansiedade e é aí que nos perdemos...
Falando especialmente dos pais músicos, é
evidente que o sonho mais comum é um dia tocar com seu filho. Ver os olhos dele
se encantando com todas aquelas coisas que enchem os nossos próprios olhos de
emoção. A lógica parece até muito coerente: “Eu
adoro; me dá prazer, quero que ele sinta isso também!”. Mas o erro fatal
está em nos esquecermos do PROCESSO.
Vocês não foram apaixonados por música desde
sempre. No começo passaram anos apenas ouvindo música despretensiosamente.
Depois, outros anos ouvindo com algum interesse em saber quais eram aqueles
instrumentos. Então, mais um bom tempo tocando algum instrumento sem muito
sucesso, e só depois de muita prática tiveram habilidade mínima para tocarem
relaxados aproveitando algum prazer! Isso levou tempo... As vezes muito
tempo...
No amor ansioso, é muito comum ver quem
transforme a música em algo opressivo, um desfavor com consequências muitas
vezes irreversíveis. Minha mãe fez 12 anos de piano, hoje jamais encosta nele.
É como servir de almoço todo dia um prato de jiló a alguém que nunca o
experimentou e dizer “vamos, faça desse o seu prato favorito pra nós comermos
muito juntos!”. Ou trancar numa sala duas pessoas desconhecidas e dizer “sejam
melhores amigos rápido para nós irmos passear!”. É como vestir o filho com o
uniforme completo do time e dizer “vamos! Ame futebol, faça gols e queira ficar
acordado toda quarta-feira até meia noite vendo jogo comigo e se divertindo
muito!”. É essa a mesma lógica atrapalhada... entendem?
A música, como tudo que envolve sentimento,
não é algo que pode ser “acoplado”. Ela é conquistada... não deve jamais ser
incitada, mas apenas posta à disposição. Como uma mesa de doces que convida à
curiosidade de quem passa. Aulas de música não fazem músicos. Professores não
fazem músicos. Pais músicos não fazem músicos. Apenas a própria pessoa é capaz
de se fazer músico. Cabe aos professores disponibilizarem ferramentas para a
evolução, e aos pais cabe apenas e tão somente viabilizar o contato, calmo,
crescente, respeitoso. Deixando um instrumento no sofá, por exemplo.. É como
uma garota bonita que chama a atenção do Joãozinho todo dia no recreio, até que
um dia ele decide ir até ela. É a criança que deve caminhar no sentido da
música, e mediante procura, os estímulos para instigar a curiosidade podem ser
aumentados. Tocando algum instrumento no quarto ao lado de modo a fazer a
criança procura-lo, por exemplo. É um processo, é um namoro, é um caminho...
Com todo respeito, do “alto” da minha
inexperiência muito jovem, sugiro que os aprendam a lidar com suas ansiedades.
E torço para que aprendam a ter prazer desde esta fase, que já bonita desde
broto.
Atenciosamente, o
professor do seus filhos
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