Hoje é muito normal
encontrarmos pessoas se policiando na alimentação. Elas leem os rótulos e
contam as calorias. Mais fácil ainda é encontrarmos quem se preocupa com o que
veste. Consumidores cada vez mais severos e criteriosos com os tecidos,
texturas, cortes e cores. Arrisco dizer que até o linguajar pode ter mudado sensivelmente. Acho que ouve-se menos
palavrões nas ruas do que há alguns anos. Muitos pontos estão evoluindo
rapidamente e isso é ótimo! Mas eu ainda não entendo uma coisa: porque ainda
não aprendemos a importância de também sermos mais cuidadosos com o que ouvimos? Comemos salada, gastamos
o salário numa boa roupa, pagamos academia e tentamos até ter posições e
opiniões políticas... mas no Ipod, vale tudo.
Os principais (ou
únicos) argumentos são “magina, é só pra se divertir”, ou “é brincadeira”, ou
mesmo “olha a batida que contagiante!”. Ok. Eu, como músico, sei da
importância, influencia e do prazer de um ritmo envolvente! Mas olhe comigo
este exemplo:
Caso não conheça,
existe uma banda chamada Sambô, que ficou conhecida por fazer (e muito bem) versões em samba de
músicas conhecidas de outros estilos. Além de uma baita estratégia comercial,
foi também uma boa sacada musical, vista a qualidade dos integrantes.
Assistindo o DVD –“clima barzinho”, com cerveja e quadris frenéticos-, eu
estava realmente gostando, até que.. Começaram a tocar Sunday Bloody Sunday, do
U2 (banda que nem gosto tanto). Esta é a primeira faixa do álbum War (Guerra), de 1983. A música narra, e
com detalhes, o massacre do exército britânico aos manifestantes (em grande parte crianças) num domingo
de manifestação pelos direitos civis. Pra se ter uma ideia, a bateria foi feita
para imitar uma marcha militar e a guitarra lembrando uma metralhadora. Olhe a letra:
“Garrafas quebradas sob os pés das crianças
Corpos espalhados num beco sem saída
Há muitas perdas
mães, crianças, irmãos, irmãs separados
Domingo, domingo sangrento
hoje milhões choram
Enxugue as lágrimas dos seus olhos
Nós comemos e bebemos enquanto amanhã eles morrem
Num domingo. O Domingo Sangrento”
Eaí? Está no clima
para canta-la num churrasco com mulatas levantando seus copos? Entende agora o
que quero dizer? Ou será que eu estou, novamente, fazendo uma tempestade num
copo d’água? Será que realmente não está na hora de amadurecer também o seu
ouvido? É como fazer uma música para aquele fatídico dia no Carandiru e
canta-lo em coro na Copa do Mundo depois de um gol.
Se essas situações
realmente não te incomodam; Se verdadeiramente pra você o que importa é só o
ritmo, a despeito da letra; eu não tenho argumentos suficientes para sanar sua
deficiência, possivelmente de criação. Porém, se algo do que disse te fez
pensar, deixo aqui a sugestão:
Assim como você faz
com as frituras, com as roupas listradas, xadrezes e com bolinhas, com o
refrigerante, com os palavrões à mesa, com as fotos suas que posta na internet...
preste também atenção ao que ouve. Não passe tanta vergonha por falta de
instrução. Faça questão disso. Afinal, a ignorância só é tratada elevando os
níveis de aceitação para com o que deixamos entrar.
Obrigado, Minoru
Raphael
Músico.
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