Lamento Sertanejo


 Mais uma vez me deparei com a Beleza, que muitas vezes é triste, talvez por isso seja Bela, e me rendi. Quando isso acontece me vejo vulnerável e, frequentemente, incapaz. A comparação com tudo que já compus e escrevi é inevitável e me baixa uma sensação de que jamais conseguirei atingir este nível de Verdade e generosidade artística. A música é Lamento Sertanejo, de Dominguinhos, e narra a vida de um nordestino numa cidade grande do Sudeste. A riqueza de detalhes na descrição dos pensamentos e sentimentos é sem medida. Acompanhe comigo, por favor!
  Começa “por ser de lá, do sertão, lá do Serrado, lá do interior do mato, da Caatinga, do roçado... eu quase não saio, eu quase não tenho amigo, eu quase que não consigo ficar na cidade sem ficar contrariado”. Olha o contraste cultural. Imagina as condições, os sonhos e as necessidades que obrigaram alguém a se jogar num desconhecido e sozinho.
  Segue a segunda estrofe, ainda mais áspera. “Por ser de lá, na certa, por isso mesmo, não gosto de cama mole, não sei comer sem torresmo”. Choque cultural. A distância entre as realidades e os costumes gera um desconforto insustentável. Gera um comportamento involuntário e sem opções. “Eu quase não falo. Eu quase não sei de nada”. Não é que ele verdadeiramente “não saiba de nada”, mas seus conhecimentos sertanejos, regionais, na selva urbana de nada valem! Todas suas experiências e toda sua vivencia, aqui não cabem e não o ajudam em quase nada. Por isso o tornam indefeso e improvável. Mais do que isso, deslocado. Desconjuntado, peça fora do conjunto. Alheio. Então ele termina “Sou como res desgarrada, nessa multidão-boiada caminhando à esmo”.
  E não bastasse o poema que a letra já é, ainda a colocam assentada sobre o bandolim de Hamilton de Holanda e o violão de Yamandu Costa. É simples, verdadeiro e ao mesmo tempo de um requinte e elegância complexo e dolorido. É raro e, como convém a todas as belezas tristes, feito para se ouvir chorando e sorrindo..

  Nossa.

(ps: no vídeo, a música está sendo apresentada ao próprio Dominguinhos, que não se aguenta.)

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2 comentários:

  1. Mudei-me recentemente da capital para uma cidade do interior da Bahia considerada portão do sertão. Apesar de ser do mesmo estado vejo como é grande a diferença cultural, ás vezes me sinto em outro país. Linda música

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  2. Embora a melodia seja do Dominguinhos, a letra é do Gilberto Gil.

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