Já faz algum tempo, conheci duas gêmeas perfeitas. Detalhadamente lapidadas uma o oposto da outra. Diamantemente lindas em traços únicos, diametralmente contrárias em personalidades.
A primeira, mais aguda, sempre me soou mais próxima, mais acessível. Fácil, permitiu ser corriqueira ao público. Inevitavelmente a encontro no café, comendo um doce de cajá. Não se obriga a só fazer o útil. Quando quer, pega o táxi e vai lá... Me mostra que no herói ela também está, então domina o meio do céu e diz que “é só”.
À segunda, ficamos todos meio à deriva. Ovelha negra. Abertamente aparece apenas à frente de femininas. Ri maliciosa e diz ser esta à moda da casa. À noite sempre fica mais à vontade, então sai à procura de saciar. Na espreita, sorrateira, sempre à distância.. Me deixa. À proporção que o tempo passa vou ficando agitado. Então ela aparece às cinco da manhã e eu esqueço tudo como sempre. Sou à mercê.
Como todo homem o faria, sonhei vê-las juntas. Fiz de tudo e por último tentei o apelo final. No primeiro calor de uma manhã, aquele que evapora o orvalho e o sobe às nuvens, peguei uma carona e fui falar com o Primeiro Homem. Contei todos os desejos que confeitara acerca de como seria fantástico ter um momento com as duas juntas. A conversa foi indo e passados alguns medos pudicos, já era ele o que fantasiava ouriçado.
- Que saber meu rapaz, não sei onde estava com a cabeça que nunca tinha pensado nisso! Desça e fique em paz, tratarei deste nosso fetiche.
Desci. O tempo passou.
De veras já desacreditando, fui curar as frustrações à minha moda. Amontoei meia dúzia de amigos ao redor da minha mesa e começamos a amaçar gorgonzola com azeite e a cortar pães italianos.
- Cara, quase me esqueci! –me interrompeu um deles enquanto estendia até mim uma garrafa-. Um gari me parou no semáforo e mandou te entregar. Pediu perdão pela demora, mas disse que teve uma grande ideia. Eu não entendi nada.
Meu coração parou. Numa mistura de espanto e excitação fui virando lentamente até que o rótulo se exibisse pra mim.
Nele estava escrito “CARMÉNÈRE”.
-Meu Deus! Meu Deus! Seu velho safado, achei que tinha esquecido! Gênio! Gênio! Rápido, peguem taças limpas!
Todos se assustaram e imediatamente comecei a soluçar empolgadíssimo todo o ocorrido. Nunca esquecerei daquela noite.
E foi assim que nasceu a uva Carménère. Uma invenção minha e de Deus para fazer o nosso vinho preferido. O fetiche de unir duas irmãs, Aguda e Crase. Uma saída celeste para um delicioso problema mundano.
OBS: Até hoje quando vejo este vinho numa prateleira, sorrio sozinho. E certa vez Ele chegou até a me mandar um bilhete dizendo “Que vacilo, deveria ter pensado nisso desde aquele casamento zuado que fiz na Galileia... (Jõao 2)”.
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