Os enfeites da minha avó.



Aqui em casa natal é a soma de pequenos enfeites. As rabanadas da minha tia, as letrías desenhadas com canelas pelo meu avô, as cerejas e pêssegos do tio Paulo, a maionese da tia Cristina (que depois de anos descobri que não era ela quem fazia!) e os enfeites da minha avó. Estes últimos friso o plural com vários “S”. Estão pela casa toda. São porta guardanapos, imãs de geladeira, porta revistas, capas para panetones, capas para o galão de água, caminho de mesa, azulejos de enfite, tapetes, toalhas de rosto, seguradores de porta, almofadas, capas para vasos, dizeres de portas, botas de pano nas janelas e mais uma infinidade de coisas que alguém de fora não acreditaria. Para falar a verdade eles sempre me cansaram muito. Me sentia quase que embriagado de Natal. Até porque guardar tudo aquilo sempre foi um parto.
Mas este ano, faltando duas semanas para o dia 25, ela ainda não havia montado o circo. Alguma coisa estava errada. Um desanimo pairava. O pinheiro sempre eu que compro, e este já estava lá. Mas ainda verde. Verde e deslocado.
Cheguei hoje à tarde da rua, antes de todos. Sentei em frente àquela árvore pelada e chorei. Um misto de vergonha por não participar da “animação da vó” com uma pitada da saudade que um dia sentirei de hoje à tarde, quando minha avó não mais estiver.
Com os olhos ainda humilhados abri a antiga lata de panetone onde são guardadas as luzes e alguns enfeites de Natal. Comecei pelas luzes, depois umas botinhas que acendem. Seguindo um ritual quase materno continuei com outra lata. Escolhi as bolas douradas. Algumas prateadas e alguns bonecos de Papai Noel. Um deles tocava baixo. Eu ri. Certamente tinha sido comprado para mim. Comecei a lembrar que cada um deles tinha uma história. Uns ela havia feito com uns meninos cegos, outros eram da mãe dela, outros eram lá de Portugal e outros eram os novos. “Todo ano tem que ter um novo.” Ela diz.
Quando acabei, sentei no sofá que fica em frente a árvore , agora já fantasiada, e me senti bem. Esperei até que a Dona Adelaide chegasse. Hoje era eu o velhinho barbado.
Minutos depois a grisalha entrou pela cozinha e sorriu como minha irmã de 9 anos. Escondido embaixo da mesa, eu de 23, queria que o tempo parasse. Nunca me esquecerei daquela bochecha rindo e aquele papinho mole que ela tem no queixo ficando vermelho de felicidade. A portuguesa que eu tanto amava estava em paz, pois não se sentia mais sozinha. Não se sentia mais a única animada.
Hoje eu gosto mais do Natal. E principalmente daqueles enfeites. Eles fazem sentido pra mim. Cada um deles. E sei quais foram comprados para mim.
E já que o Natal é a soma de pequenos enfeites, hoje reconheci o mais valioso deles. Meu hoje, e todos os seus pequenos enfeites.
À minha avó, meu enfeite.

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9 comentários:

  1. Sensacional! parabéns Minoro, que Deus continue abençoando a sua vida e parabéns pela sua familia e pelo valor e tempo que você dedica a ela!

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  2. Muito emocionante!
    Parabéns!!

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  3. Achei emocionante, principalmente porque me identifiquei.
    Esse ano minha avó não estava nem um pouco animada com os preparativos do natal, limitava-se a se preocupar com a logística da família que vem de muuuuito longe. Pentelhei ela até conseguir o aval para comprar o que faltava (incluindo a própria árvore) depois de vencer vovó pelo cansaço, comprei as coisas e agora, às 4h da manhã, terminei de decorar a sala e o corredor.
    Quando a dona Myrthes se levantou por volta das 2h30, 3h, como sempre faz, elogiou o pisca-pisca pelo corredor e me agradeceu por fazer o que ela não poderia. Sentimento de dever cumprido e de cada esforço ter valido a pena já está transbordando em mim!
    Esse ano ela não vai poder fazer a ceia, nem o tradicional almoço no dia 25, mas o que eu puder não deixar faltar eu faço questão de fazer. só pra ver de novo aquele rostinho já exausto sorrir com seus dentinhos novos. :)

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  4. Fernando, Barbara e Maíra: Muito obrigado!

    Luísa: Posta aqui uma foto da sua árvore!

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  5. Meu querido amigo fico feliz de participar da sua vida dessa maneira, ao menos como expectadora... Te amo e um lindo Natal pra vc, pra sua família e pra sua linda avó!

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  6. Você devia mudar o nome para "Minorulandia Invista tempo aqui..." (ao invés de gaste kkk)

    Gosto muito dos seus textos cara, leitura prazerosa.

    Deus continue te abençoando infinitamente mais! Abração.

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