Nos acostumamos a comer só o que gostamos,
ignorando alguns legumes que são mais nutritivos que saborosos. Nos acostumamos
a ouvir apenas as músicas que não exigem o “re-ouvir”. As digeridas, sem muitas
entrelinhas. Nem dos horários da televisão nós precisamos mais ser reféns,
porque tem tudo disponível no site. –Me
lembro de guardar os horários dos desenhos quando era criança-. O rádio
também não dita mais o que eu escuto no carro. Agora eu tenho Spotfy e tenho
meus artistas desconhecidos “alavontê”. Só uso as roupas que eu quero, os
perfumes que eu quero, estudo só as matérias que eu gosto, só respondo as
mensagens de quem eu não tenho preguiça e na terça que a aula é chata eu não
vou.
Fazemos o mesmo com a religião. Aparo as arestas
que me exigiriam muito e invento significados novos para não deixar de fazer o
que eu quero. Desenho meu próprio Deus com a cara e as roupas que me convém.
Decido as coisas que ele gosta e as coisas que ele não gosta. Liberto meus
heróis e dispenso os diferentes de mim. Faço uma mistureba que vai do
construtivismo de Jean Piaget ao Xintoísmo chinês. Mantenho o nome Cristo, mas
coloquei nele uma pitada da candura budista, duas xícaras de sopa da sabedoria
do meu vô, uma colher de Fernando Pessoa e duas de Rubem Alves. Vualá, está
feita a minha religião.
Mas pra me confortar lembro que todas as já existentes
também nasceram assim, no quarto de alguém. Quando esse alguém estava para
dormir, naquele momento em que ficamos olhando para o teto... Dos pensamentos
dos patriarcas hindus, passando pelas revolucionárias meditações de Lutero, até as
grandes navegações de Maomé. Dos longos silêncios de Gandhi até chegar ao meu
quarto... Então nos armamos do argumento da Fé, estipulamos nossas regras e as julgamos mais divinas, até a
morte.
Prove que eu estou
errado.
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