Não sei se você já
viu um Albatroz andando. É o desconjunto em si. É a coisa mais atrapalhada que
se possa imaginar. Por conta das patas gigantes, dos dedos colados e das asas quatro
vezes maiores que seu corpo, ele parece que pode cair a cada próximo passo.
Poderíamos dizer que é quase um “pássaro piada”. Mas existe um ponto aí que
muda tudo, e é o que me fez pensar muito nos últimos dias: O albatroz não é
atrapalhado, tão pouco limitado. O que acontece é que ele não foi feito para
andar e sim para voar. Ele tem a maior envergadura dentre todos os pássaros
vivos, asas de quase 4 metros! Essa evolução deu a ele uma estabilidade que foi
copiada até na construção de planadores!
Outro exemplo.
Você já ouviu um
acorde diminuto? Caso não seja músico, eu explico. Imagine duas notas
(intervalo de 5d) que quando tocadas juntas soam tão estranhas que, na época da
inquisição, eram notas proibidas pela igreja. Pessoas morreram na fogueira por
usarem estes sons em cantos gregorianos! Agora coloque dois desses sons juntos.
Não apenas um, mas DOIS! Essa sobreposição (de 3ª menores) é o que chamamos de
Acorde Diminuto. Resumindo, é o último som que você gostaria de ouvir numa
noite escura. Então, agora pense que este mesmo acorde foi escolhido por Tom
Jobim logo para o início de “Eu sei que vou te amar”.. Como pode, né?! É porque
este tipo de acorde foi feito para ser usado em momentos específicos, com
preliminares e términos que “preparem o terreno”. E quando usado de maneira
adequada ele fica surpreendentemente lindo.
Cheguei a conclusão
de que talvez as pessoas também sejam assim. Acredito que todos temos valor e
certamente somos muito talentosos em alguma coisa. O desafio é encontrarmos o
nosso “terreno fértil”. Entender que dentro de nós temos partes mal entendidas
como os acordes diminutos e em muitas situações podemos parecer como um
albatroz caminhando. Nos sentimos deslocados e desqualificados. Mas, na
verdade, só estamos sendo expostos a condições que não nos favorecem e isso faz
dos nossos pontos positivos, aparentes defeitos. Faz possíveis qualidades
virarem dolorosas deformidades. Esquecemos que a mesma asa gigantesca que
atrapalha os passos do albatroz, é o que fez dele uma referencia na construção
de aviões. E a questão é ainda maior. Por vezes colocamos pessoas queridas em
situações erradas, e cobramos resultados que nunca virão. Ignoramos a natureza
e propósito de cada um e inventamos que existe um padrão a ser seguido. Um
modelo mais “saudável”. É como usar um acorde diminuto numa introdução e querer
obrigar a música a ser relaxante. A natureza deste acorde é outra, e ele não é
menos rico por conta disso.
Vai ver, é por isso
que Tom Jobim era um gênio. Porque conhecia a fundo os acordes e sabia
exatamente o que de melhor poderia extrair de cada um. Como um patrão que
conhece seus empregados e delega funções exatas para cada perfil, não apenas
respeitando, mas se aproveitando das personalidades. Como Duke Ellington, que
compunha arranjos para seus saxofonistas explorando as melhores notas que cada
um conseguia em especial. Como o lendário comandante Patton, que na Segunda
Guerra escolhia a dedo os melhores atiradores para cada posição...
Posso estar errado.
Posso estar propondo até uma utopia. Mas tenho em mim a certeza de que se este
texto chegasse a todas as pessoas do mundo, os casais seriam mais felizes, os
empresários seriam mais ricos e os albatrozes voariam mais alto.
0 comentários: