Não quero ninguém motivado

  

 Os livros mais vendidos são os de motivação. Os palestrantes mais bem-sucedidos são os motivacionais e as propagandas tidas como mais emocionantes também são as que motivam. O tópico “frases motivacionais” está no topo das pesquisas do Google e eu acho tudo isso muito estranho. Sinceramente eu acho que a dependência por frases de efeito e toda essa necessidade diária de uma citação arrebatadora que te ajude a se arrastar até o final do dia, acho que tudo isso denuncia um verdadeiro problema, a falta de propósito. Explico.
  Os maiores atletas do mundo treinam sozinhos, sem música e sem torcida. Isso porque eles têm um propósito. Definem uma meta e fazem dela um alvo suficiente para movê-los. A cura da febre amarela saiu de cientistas que trabalhavam até tarde em laboratórios vazios. O computador foi inventado numa garagem, de madrugada, por alguém que queria muito aquilo. As propagandas mais geniais são fruto do trabalho de publicitários que viram a noite enquanto todos já foram embora. Cristiano Ronaldo, ao ganhar o premio de melhor jogador do mundo pela 5ª vez, disse que ia para a academia escondido de madrugada. Imagino a cena dele sozinho lá... com um foco muito claro. Isso é emocionante. O mesmo podemos falar dos poetas, engenheiros civis revolucionários e importantes militares romanos... Coisas relevantes são conquistadas por pessoas que definiram um propósito em suas vidas. Os viciados em frases motivacionais de calendário param o trabalho nos dias em que não acordam dispostos... Quem tem um “porque”, escolheu também um sentido para sua caminhada e porque é assim, não precisa de vídeos motivacionais do youtube contando a história a águia que perde as penas e bla bla bla... Motivação é como um fogo de palha frágil que precisa de constante alimentação.
  Conte Sponville disse: “se as pessoas soubessem melhor quem são, não precisaríamos a todo tempo dizer a elas o que elas deveriam fazer”. E é exatamente isso. Precisamos de motivação porque frequentemente estamos perdidos. Greg Glassman, inventor do crossfit, disse “você conquista o que você busca todos os dias, não o que faz quando está com vontade de fazer”. Esse é o ponto, quando se tem um propósito, você sabe o que fazer ainda que não esteja disposto. Você tem noção da importância de uma tarefa para um objetivo final. Mathew fraser resumiu genialmente o pensamento de alguém com foco “Se algo não deu certo, faça dar certo”. Simples assim. Encontre uma saída! Dê um jeito! Pense!

  Por isso eu sou encantado por aqueles que querem muito algo. Seja lá o que for. Pessoas apaixonadas por alguma coisa são apaixonantes. Vencer torna-se até secundário diante da grandeza de quem se entrega por inteiro. Gastronomia, música, ciclismo, cavalos, perder a barriga, parar de fumar, advocacia, dança, artesanato, dona de casa... apaixone-se por algo e não precisará nunca mais de frases animadoras escritas em caixas de cereais. E se quiser ajudar alguém, o faça auxiliando na busca de um “motivo”, uma “razão”, porque a motivação acabar em dias chuvosos, mas o propósito dá sentido a uma vida inteira. 

A amizade entre as mulheres

  

  Todas as coisas do mundo se relacionam, e é normal que haja diferentes níveis de empatia entre elas. Abacaxi se dá melhor com canela do que com salsinha, Netflix se dá melhor com feriado do que com segunda-feira, e até os harmônicos secundários fazem com que a nota Ré se relacione melhor com a nota Lá do que com a nota Sol#. Mas nada se compara ao complexo e curioso relacionamento entre mulheres. Ou talvez, por ter o acaso me feito homem e heterossexual, seja eu um pouco mais limitado para entender tal realidade.
  O fato é que existe um misto de Intensidade e Fragilidade. Uma bagunça entre Eterno e Momento. A amizade feminina se equilibra em algum lugar entre a Entrega e a Posse. A fraternidade feminina é como uma linda flor extremamente frágil que precisa ser regada todos os dias, ou ela enfraquece. É tão inexplicável que devia ser classificada como “poema”, simplesmente, como convém a tudo que é Intenso e ignora a lógica.
  Por vezes, quando duas amigas estão juntas, o que acontece ali é tão ardente que nasce um sentimento de Cumplicidade Momentânea capaz de fazê-las falar mal de todas as outras mulheres do mundo. Mas engana-se quem acha que isso é falsidade ou falta de caráter. Não, no fundo elas podem nem ter nada contra “aquela outra”. Na verdade, elas estão apenas sendo melhores amigas do mundo naquela hora, e todo o resto é menor que elas, passível de julgamento. Naquele instante elas são tudo o que existe e por isso fazem acordos, promessas e combinam encontros distantes que possivelmente jamais acontecerão. E para elas tudo bem. Entende? Garotas frequentemente tem fotos de amigas no quarto, na carteira, no celular. Mas nada disso impede que elas desfiem comentários pejorativos quando estão com outra. E isso também não quer dizer que elas sejam falsas. Não, é apenas um dos efeitos da “Cumplicidade Momentânea Feminina”. Se uma dormir na casa da outra, isso vai acontecer.
  Existe também um certo sentimento de “clã”. Algo como um grupo restrito, seleto, “eleito”, onde apenas as melhores entram. E não importa a idade, isso muda de nome, formato, mas não de natureza. Curiosamente, se parte desse grupo se encontra sem avisar ou convidar o todo, coisas ruins podem acontecer. É como se a amizade fosse desonrada e posta à prova se isso acontecer. Uma garota que cometer o adultério de sair com outra sem chamar a terceira integrante do trio, pode gerar um sentimento de deslealdade e traição. Pode parecer loucura para você, homem que está lendo isso, mas é quase uma infidelidade postar uma foto com uma, sem que a outra do grupo soubesse que esse encontro aconteceria. Várias vezes elas se avisam, como quem pede permissão. Louco, não?
  É comum que notícias e convites também tenham uma ordem hierárquica para acontecerem. Ser a primeira a saber de uma gravidez, te mantém no pódio. Ter amiga completado um ano de namoro sem que ele te seja apresentado, faz de você menos amiga.
  É normal que elas se cumprimentem com uma certa “festa” depois de um tempo longe, é normal que elas fiquem abraçadas e efusivas, mas, curiosamente, nada disso diminui a dificuldade em falar frases como “hoje vou sair com outras amigas”, ou “prefiro amarelo” ou um simples “não”. Tudo parece mais difícil no mundo feminino. Tudo é mais subjetivo e dúbio entre elas, e tudo tem consequências, boas ou ruins.
  Homens não costumam ter “melhores amigos”. E tudo bem também. Existem os mais próximos em alguma fase da vida, mas ainda que outro apareça depois de anos, na verdade é tudo a mesma coisa. Também é incomum um homem ter um “inimigo”. Talvez nós homens sejamos mais rasos nessa questão. Ou somente mais simples. Veja só: pensando agora em 5 grandes amigos meus, descobri que não lembro o nome da namorada de todos, e para falar a verdade nem sei exatamente qual a profissão de 3 deles. Um deles, o mais antigo, eu nem sei onde mora. E olha que acho que ainda o encontrarei hoje. Resumindo, se é amigo, é amigo e ponto. A intensidade não muda com o tempo e não é algo que precisa de cuidado. Está mais para uma chave que a gente vira, tipo virgindade, batismo ou catapora.

  Provavelmente muitas delas negarão ao ler isso. Possivelmente usarão a palavra “generalização” para dizer o quão ridículo é esse texto. Talvez seja mesmo, não passam de observações minhas... Mas eu e todos os homens do mundo sabemos bem o que ouvimos no carro quando estamos voltando de uma festa.

Sobre Verdade e bigodes de leite


Eu nunca fui de pedir meia porção de batata. Sou desses que quando compro um tênis novo, saio da loja com ele no pé e o velho na caixa. Intensidade. Faço vitaminas todos os dias e mesmo desse tamanho ainda tenho que sentir o leite molhando o bigode. Entrega. Assim como a Cristo, o morno não me apetece, e também por isso não sou de beijos de meia boca. Inteireza. Do contrário, sou desses que na hora fecha os olhos porque o que acontece aqui dentro é mais forte do que o que acontece no mundo. Nunca pedi uma pizza “brotinho” porque assim como com as pessoas, não aceito “meias vontades. Quem me conhece sabe bem, e nem ri mais do meu gosto por sentir a textura das comidas com as mãos. Apertar lentamente um pudim. Minha mãe, a mais sensível das mulheres, me ensinou que quando chegamos num lugar inédito nunca podemos usar óculos escuros, porque precisamos conseguir ver as cores reais da paisagem. As conversas corretas demais me dispersam. Eu quero é lembrar da vontade de ir ao banheiro, do casal que foi pego no flagra, da fome na madrugada, do mal-entendido. Quero subir na cadeira e inventar algo como um poema. Quero sugerir um brinde e ser ridicularizado por aqueles a quem dou tal liberdade.
  Talvez por isso eu aprecie tanto as pessoas que se permitem, e tenha dificuldade em lidar com “meias-pessoas”. Porque minhas palavras por vezes podem sair exageradas, mas jamais prolixas. Sou de pecar pela transparência, talvez até pela ansiedade, mas jamais pela incompletude. Poderão reclamar que fui direto demais, apressado, demorado, e até deselegante, mas nunca ouvirão que de mim não tiveram tudo. Pois em tudo serei sempre eu todo. Eu como o cardápio com os olhos e por isso frequentemente levo comida embrulhada pra casa. Prefiro a previsibilidade das pessoas verdadeiras do que o mistério das covardes.
  E é muito comum que nós, hiperbólicos apaixonados, nos tornemos alienados achando que tudo é só “muito bom” ou “muito ruim”. Isso é um perigo, mas não é o ponto. O bonito é a Verdade e a Entrega em tudo o que é feito, lido, comido, encostado, apertado.. Se vissem a minha avó comendo canjica com doce de leite vocês entenderiam o que estou falando. E também não tem a ver com ser irresponsável. Tem a ver com ser Íntegro, na etimologia da palavra, ser UM, ser TODO..

  Mesmo sozinho eu toco piano arrepiado, porque não me interessa o tamanho da plateia, eu toco sempre para um milhão.

Homenagem aos que tem o incrível costume

 de enxergar o infinito em tudo.