A passarela

Moro em Arujá. Como a todos os outros daqui, a Rodovia Pres. Dutra é um constante namoro, tão imprevisível quanto inevitável. É alguém que as vezes te surpreende com um ramalhete mas ainda no mesmo dia te represa impossibilitando o encontro. Parece ciúme.
Porque tudo isso é assim, sei cada detalhe de seu corpo. Conheço cada curva -que ela não tem-, e cada foto que poderia ser tirada. Mas ontem, na volta pra casa vi algo diferente. Uma passarela. Logo após o posto Sakamoto estão construindo uma passarela. É bonita e grande a passarela. Pensei:
“Caramba quanta gente já não vi morrer aqui. Sempre tem acidente. Sempre as pessoas atravessam aqui. Deve ser por conta das fábricas e firmas que se separam das vilas por estas pistas. Poxa, morrerá menos gente.”
Mas por infortúnio de nascença sempre passo dos limites e desenvolvo a estórias.
Porque não inventam uma passarela para a vida? Assim, para nos levantar maternalmente em um ponto e nos colocar seguro em outro mais a frente? –imaginei a cena daquela loira sendo cuidadosamente levada pelo King Kong-. Lembrei também de Fernando Pessoa convidando Lídia para que sentasse junto a beira do rio com as flores no regaço e ficasse... Sem maiores desconfortos. Poxa como seria mais fácil. Sempre a usaria quando alguém me dissesse: “Temos que conversar”. –Puts Grilo! Como seria bom!-.
Silêncio.
Entra em cena o silêncio que sempre sai das coxias quando eu sei que estou tornando os pés pelas mãos.
Dou aos cães a passarela! Não me seja poupado nada! Quero me lambuzar com todo o sangue e com todo o gozo da vida! Que venham as sete ondas para que eu não pule, mas arrebente-as no peito! Sim!
Mal aventurada é Lídia que contorna as desventuras. Então, em minha face colecionarei cicatrizes e por elas passarei noites em fogueiras com meus netos a rir e a detalhar cada um dos leões! Que venha a vida e todas as suas arapucas!
Pedágio. Preparo os dois reais e trinta centavos. –estavam aqui em algum lugar... achei.-.
-“Bom dia.”
-“Bom dia.”
-“Quer instalar o sem-parar?”
-“Não obrigado
-“Boa viagem.”
-“Obrigado.”
Retomando:
Ah... foi-se toda a opulência.
(…) Silêncio
Quem me dera uma passarela para nunca mais me desapontar com meu eu –agora sóbrio e sem graça-. Covarde e sem clima, liguei o rádio.

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