O Alzheimer na minha vida




  Capriche na vitamina b12. Este é o meu conselho a todos hoje. Coma carnes, ovos, laticínios e exercite a memória. Faça aqueles exercícios que o Dr. Drauzio Varella ensina no Fantástico, e que sempre achamos interessantes mas nunca fazemos. Cuide mais do mecanismo que administra suas lembranças. Tema a perda de suas recordações.
  Esta semana fiquei sabendo que minha tia está com Alzheimer. Definitivamente é o mau que eu mais me acobarda. Perdesse eu uma perna, um braço ou mesmo o visão. Ficasse eu canceroso, surdo para minha música ou até mesmo leproso. Ainda seria eu ali. Tétrico e trôpego, mas eu. Talvez inábil  para as obrigações mais corriqueiras mas ainda inundado da inegável bagagem minha. Ainda portador da emaranhada trama suja e celeste que constitui este que vos fala.
  Eu sou a trança do meu hoje, de Deus e do que fui. Sou o resultado das pessoas que me doaram tempo. Sou também, resultado da minha tia em mim. Das calças camufladas de minha infância ufanista, das bolinhas de queijo de meus aniversários caseiros e de enfeites artesanais. Sou o resultado dos pães com manteiga derretida, das coxinhas e dos pastéis que eu sempre comi com arroz dentro. Minha tia é boa e me ama. Sou o resultado daquela estrada de terra e de um caminhão amarelo.
  Com uma calma maquiavélica, dia à dia agora sua linha do tempo irá caminhando para uma lacuna crescente. Ir-se-ão as coxinhas, os pastéis e em seguida os pães com manteiga derretida. Como um poema escrito na areia do mar, que é sem dor pouco a pouco apagado, também se irão as calças do exército e aquele bolo em formato do símbolo do São Paulo. Por fim, irei eu. Na brancura da luz que apaga tudo sem misericórdia, logo eu deixarei o palco. Não serei mais seu sobrinho e não habitarei em nenhum lugar mais de seu hipocampo cerebral. Eu nunca existi. Todas as histórias e todo aquele carinho sumirá. Tornar-me-ei um estranho. A sim acabará tudo.
  Deus... Como meu coração se rasga de tristeza.
  Será como foi com meu bisavô. Primeiro o barco de madeira, depois a pipa e então todo o resto, até tornar-se hoje um velho de noventa e poucos anos tão oco como era aos 2 anos. E eu, outro estranho.
  Deus como estou triste. Quando for minha a hora, leva-me as pernas. Corta-me os dedos. Finda-me algum órgão, mas ajuda-me a me proteger do acaso, para ter pelo menos a honra de morrer assim, mais eu.

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15 comentários:

  1. É uma doença triste, perdi minha avó materna e bizavó para isso. Para sua sorte saiba que a incidência em homens é muito pequena. Desejo toda sorte para sua família, isso é um desafio que vocês devem enfrentar juntos.

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  2. É o mais triste e verdadeiro relato que já vi sobre o Alzheimer que já li...

    Curta cada bolinha de queijo como se fosse a última! Olhe a foto do bolo do São Paulo e sinta o calor daquela vela e o cheiro do glacê... Essas memórias vão se apagar da mente dela, mas conserve-as sempre no seu coração...

    Que Deus fortaleça todos vocês! E que Ele, de alguma forma, ilumine as vielas escuras em que o caminho dela aos poucos se transformará.

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  3. Felipe e Marcia: muito, muito obrigado.

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  4. Uau, estou sem palavras!
    Nunca ouvi ou li uma descrição tão inteira dessa doença.
    Que cada momento agora seja único e belo para a família, para que tirem deles toda força necessária para enfrentarem esse momento.

    Que Deus abençoe vocês.
    Beijos.

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  5. Alguns estudos recomendam consumir azeite e salmão, outros recomendam evitar aspartame, os tais exercícios do Drauzio Varela são pouco eficientes segundo a maioria dos estudos(talvez dedicar-se a tarefas que demandam memória dentro dos campos de interesse da própria pessoa seja mais eficiente e proveitoso), há ainda indícios de que o uso do estabilizante de humor Lítio auxilie na proteção contra a degradação neuronal (apesar agressividade deste para os rins, figado e coração)...

    Tudo isso dizem os cientistas, mas não adianta, não tira a dor, essa e todas as formas de deixar de existir, de deixar de poder, de deixar de ser doem demais. Não há solução, mas há amor, resta amar, resta compartilhar a dor, que é sua e de todos nós meros humanos. Que Deus esteja com você, com ela e com toda a família! Abraço

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  6. Hoje seu Blog foi o primeiro texto que li pela manhã.
    Gostaria de dizer que passei por essa dor quando meu pai foi diagnosticado que estava com alzehaimer.
    Meu pai era um super herói para mim e meus colegas no bairro do subúrbio do Rio de Janeiro onde eu morava. Era um homem piedoso , bem humorado, um pai que todos gostariam de ter. Eu era a caçula dos nove filhos dos meus pais e sempre fui tratada como filha única!!( meu pai possuia a sabedoria de tratar os filhos respeitando cada um deles!) Um dia, estavamos de carro e eu vi um amigo do meu pai e fiquei surpresa quando meu pai disse que não sabia quem era e seus olhos assustados confirmavam essa informação.
    Meu pai viveu cinco anos desde o diagnóstico. Quanto a mim, passei a abraçá-lo mais , beijá-lo mais, e quando chegou o dia em que ele não me reconheceu, chorei muito, mais!! Continuei a abraça-lo, beijá-lo. Minha mãe e irmãs, cuidaram dele, trocaram suas fraldas, tornaram-se suas mães. Posso dizer que meu pai virou um bebê, e eu abençoava como ele fizera milhões de vezes quando eu era mais nova.
    Quando ia a casa da minha mãe e eu podia abraçá-lo eu agradecia a Deus por mais um dia poder estar com ele.
    São ocasiões como essas, que Deus prova se nosso amor ao próximo é recíproco, pois quem tem essa doença precisa de nosso de muito amor, paciência e cuidado! Deus te abençoe e te ensine a caminhar esse duro caminho!!

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  7. Henrique Carlo Farina e Bete Krawczuk o amor e cuidado de vocês escrevendo aqui é apaixonante. Obrigado.

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  8. Ana Flávia sinto-me abençoado. Grato.

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  9. Fazia um tempinho que não lia seu blog e ao entrar me deparei com uma triste realidade em minha vida...
    Compartilho a mesma dor que você sente.
    Minha vó, adorável como sempre, era uma ótima companhia para os finais de semana em sua casa. Meu mousse preferido ela era quem fazia. Ah... aquele mousse de maracujá.
    Os almoços em família, os dias que ela fica aqui em casa, as tardes de domingo, hoje são marcadas por um longo tempo de busca da lembrança. Daqui a pouco também serei uma desconhecida, mas sei que Deus nos ajudará. Já está nos ajudando.
    Não será fácil, mas será uma etapa de crescimento para nossas vidas.
    Que Deus te abençoe...

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  10. Raquel obrigado por me abençoar. Dor com gosto de maracujá nao é dor, mas saudade. E isso é bonito.

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  11. Poetinha,

    Minha vó tem , e estamos vendo aos poucos isso acontecer... é triste, duro.

    São essas coisas "extras", ônus quem vem pela vida que nos silenciam ao mesmo passo que nos questiona.

    Neste momento, apenas consinto com você.

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  12. cara, o alzheimer talvez seja uma das metáforas mais crueis da vida, até porque é bem mais que uma simples figura de linguagem.
    mas...
    "Porque agora vemos como por espelho, em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei plenamente, como também sou plenamente conhecido.
    Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, o amor, estes três; mas o maior destes é o amor."

    você não tem o que temer -- todas as memórias serão restabelecidas, e não só as memórias. fica em paz.

    abs, andre

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  13. Confesso que os seus textos sempre me agradam, mas esse em especial me tocou muito, por ser algo tão pessoal, tão íntimo e mesmo assim você compartilhou conosco as suas lembranças, sensações e sentimentos... Só posso lhe dizer que viva... viva cada minuto que puder ao lado dessa tia amada!!!!

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  14. Simone, André e Camilla: São palavras de carinho como essas que me fazem querer escrever sempre! Tetelestai!

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  15. Sou só mais uma que compartilha neste momento sua dor, mas não esquecerei de vc e sua família em minhas orações!
    Mais uma vez, parabéns pelo lindo e emocionante post!!

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