O Menino da Mandioca

Numa cidadezinha no interior de São Paulo nasceu um menino muito esperto, Tadeu. 
Com seu talento para contar causos e um caráter ligeiramente oscilante, o jovem Tadeu desde cedo conseguia suas moedas e bancava sozinho as goiabadas que tanto gostava.
Mas um dia aquele armazém do outro lado da cidade não tinha as tais barrinhas, apenas um estranho doce de mandioca. Para não perder a viagem comprou. Já em casa, sentado ao batente da porta enquanto lambuzava os dedos da mão direta, uma senhora passou e perguntou:
-Poxa Tadeuzinho! Parece gostoso hem! O que é?
-Doce de mandioca... -disse o menino sem levantar os olhos.
Maravilhada após experimentar, também lambendo o dedão direito perguntou:
-Nossa! E quem fez?
- ... Eu! –disse ainda meio sem saber porque tinha dito.
A notícia se espalhou e não demorou muito o pequeno espertinho já encomendava, às escondidas, caixas e mais caixas daquela dádiva. E ao ser questionado da receita, de pronto respondia. Ia inventando na hora truques e macetes que justificavam aquele sabor viscosamente inovador. O povo tentava sem sucesso –óbvio- seguir à risca todos os tópicos da receita e quanto mais não conseguia, mas adorava o Tadeu. Parecia que não conseguir valorizava ainda mais o menino.
Depois de quatro terças-feiras convencionou-se o dia em que todos se reuniam junto ao batente daquela porta para meiar aquela iguaria. Todos os outros doces foram gradativamente sendo esquecidos e aqueles que não gostavam ou não seguiam o Menino da Mandioca eram explicitamente deixados de lado nas festas de sábado. Não tinham nem assunto.
Certo dia apareceram turistas de Pernambuco. Vendiam um biju feito de macaxeira. Assim como aqueles bárbaros que outrora apareceram com geleias de Aipim, estes também foram rapidamente expulsos da vila. “Onde já se viu!” diziam os fãs do menino. “Macaxeira! Aipim! Todos devem comer é Mandioca!
Aquele povoado passou de um calmo oásis para uma terra fria. Ninguém que preferisse outro doce era mais bem-vindo. E as pessoas amáveis agora fechavam as portas paras os “de fora”. Ao mesmo tempo todos viviam um terrível conflito interno porque ninguém conseguia seguir os passos daquela receita para fazer o tal doce. Mesmo assim eram cruéis com aqueles que faziam outros bolos e doces, ainda que fossem tão gostosos quanto. A coisa tornou-se pessoal. Adorar o Menino ficou mais importante que o próprio gosto do doce. Estar lá às terças ficou mais importante do que propriamente comer o dito cujo.
Acontece que certo dia a vendinha na qual sorrateiramente eram comprados os doces de mandioca não abriu. Sem escolha a receita teve de ser feita em público. Sob atentos olhares brilhantes o franzino braço começou a colocar aleatoriamente ingredientes numa bacia bege. Sem perder a pose, ainda ousava narrar o que fazia. Uma curiosa massa ficou pronta e quase que instantaneamente foi dividida como numa ceia a todos os presentes. “Comamos” disse o cara-de-pau sobre um banquinho de três pernas.
O que ninguém imaginava é que existia um tipo de mandioca chamado “Mandioca Brava” que é venenoso. Sua alta concentração de ácido cianídrico mata se não for devidamente exposto ao calor do cozimento os do Sol.
Naquela tarde todos os moradores do povoado morreram. O cabresto da idolatria guiou o barco do orgulho ao mesmo mar de sofrimento que eles desejavam aos que pensavam diferente. Mandioca, Macaxeira e Aipim são todos a mesma coisa. Nomes dados por culturas diferente a um mesmo sabor.
Mas fique bem claro que aqui não aconteceu castigo nenhum. Mas apenas uma consequência da ignorância de um povo coberto de razão.

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11 comentários:

  1. A falta de senso crítico causa uma entrega sem precedente, a um fanatismo, uma veneração que não questiona que não pondera e que pode levar a morte. Isso me fez lembrar o Jim Jones que levou a morte cerca de 900 pessoas num ato de suicídio coletivo, e mesmo após sua morte pessoas que pertenciam à seita se suicidaram também. É lamentável, mas, as pessoas perdem sua identidade na veneração ao líder.

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  2. "Mas apenas uma consequência da ignorância de um povo coberto de razão".

    Uma bela parábola, Mi. parabéns!

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  3. Fala Minus!

    Imagino que a sacada do texto não é a ignorância, é o excesso de sabedoria... O menino era quem sabia fazer o doce, o povoado é que conhecia o "verdadeiro doce"... A ignorância é uma bênção! O medo de se passar por ignorante é que mata as pessoas e inventa mentiras...

    Esses dias assisti um documentário da HBO chamado "Alcorão de cor" - um imã de uma mesquita ensinava seu filho que participaria de um concurso de decorar o Alcorão dizendo: "Sabe porque existem guerras, fome, miséria, dor, tristeza, sofrimento, terrorismo, alcoolismo e ódio? Porque ninguém lê esse livro! E quem diz ler não quer entendê-lo..." - Os moradores sabiam do doce, comiam o doce, mas deixaram de querer não saber e admitir a novidade de outro doce.

    Abraço!

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  4. E pensar que uma grande crença já foi um doce de mandioca, um dia!
    Parabéns.

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  5. É meu caro ainda existe muita ignorância neste mundo, já passou da hora de aprendermos que nem tudo sabemos e que aquele cara que abre o portão pra seu carro entrar ou aquela que serve o café podem nos ensinar muita coisa, conhecimento deve ser compartilhado e a soberba deve se extinguir de uma vez!
    Parabéns pelo texto!!! Muito inteligente !!!
    Um Abraço

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  6. É preciso abrir os olhos para ver (Mateus 15:14). Excelente, Minoru.

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