Sobre Verdade e bigodes de leite


Eu nunca fui de pedir meia porção de batata. Sou desses que quando compro um tênis novo, saio da loja com ele no pé e o velho na caixa. Intensidade. Faço vitaminas todos os dias e mesmo desse tamanho ainda tenho que sentir o leite molhando o bigode. Entrega. Assim como a Cristo, o morno não me apetece, e também por isso não sou de beijos de meia boca. Inteireza. Do contrário, sou desses que na hora fecha os olhos porque o que acontece aqui dentro é mais forte do que o que acontece no mundo. Nunca pedi uma pizza “brotinho” porque assim como com as pessoas, não aceito “meias vontades. Quem me conhece sabe bem, e nem ri mais do meu gosto por sentir a textura das comidas com as mãos. Apertar lentamente um pudim. Minha mãe, a mais sensível das mulheres, me ensinou que quando chegamos num lugar inédito nunca podemos usar óculos escuros, porque precisamos conseguir ver as cores reais da paisagem. As conversas corretas demais me dispersam. Eu quero é lembrar da vontade de ir ao banheiro, do casal que foi pego no flagra, da fome na madrugada, do mal-entendido. Quero subir na cadeira e inventar algo como um poema. Quero sugerir um brinde e ser ridicularizado por aqueles a quem dou tal liberdade.
  Talvez por isso eu aprecie tanto as pessoas que se permitem, e tenha dificuldade em lidar com “meias-pessoas”. Porque minhas palavras por vezes podem sair exageradas, mas jamais prolixas. Sou de pecar pela transparência, talvez até pela ansiedade, mas jamais pela incompletude. Poderão reclamar que fui direto demais, apressado, demorado, e até deselegante, mas nunca ouvirão que de mim não tiveram tudo. Pois em tudo serei sempre eu todo. Eu como o cardápio com os olhos e por isso frequentemente levo comida embrulhada pra casa. Prefiro a previsibilidade das pessoas verdadeiras do que o mistério das covardes.
  E é muito comum que nós, hiperbólicos apaixonados, nos tornemos alienados achando que tudo é só “muito bom” ou “muito ruim”. Isso é um perigo, mas não é o ponto. O bonito é a Verdade e a Entrega em tudo o que é feito, lido, comido, encostado, apertado.. Se vissem a minha avó comendo canjica com doce de leite vocês entenderiam o que estou falando. E também não tem a ver com ser irresponsável. Tem a ver com ser Íntegro, na etimologia da palavra, ser UM, ser TODO..

  Mesmo sozinho eu toco piano arrepiado, porque não me interessa o tamanho da plateia, eu toco sempre para um milhão.

Homenagem aos que tem o incrível costume

 de enxergar o infinito em tudo.

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4 comentários:

  1. Uau! Exatamente assim!

    Visceral e cortando até o osso!!

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  2. A-DO-RE-I

    A frase "ela ri alto, fala alto, canta alto, sonha alto" tem muita conexão com seu texto e me define demais.

    Obrigada!

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  3. Nossa, que texto! Bem humorado e cheio de verdades, afinal de contas, uma vida sem intensidade não é uma vida. E uma vida de inverdades, máscaras e superficialidade, muito menos.

    Amei o texto e o blog. :)



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  4. Felicidade em me identificar tão profundamente nas suas palavras ainda nos dias de hoje. Fui leitora assídua a alguns anos atrás. Bom retornar para tuas palavras! :)

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