A beleza de estar indo

  Vendo um amigo falar sobre a parábola da mulher e o fermento do pão (Mt 13:33), minha cabeça foi longe. Ele dizia sobre as coisas que crescem dentro de nós silenciosamente e comentava a cerca das incoerências humanas. Voltando pra casa, não parei de pensar:
  Frequentemente nos deparamos com características e condições que nos surpreendem, até sobre nós mesmos. De repente vemos uma foto antiga e percebemos o quão gordo estamos hoje; vemos um calendário e procuramos a última vez que fizemos exercício, que visitamos aquela pessoa... Outras coisas são mais sérias: um homem casado que ao ver uma mulher “dando mole”, subitamente se espanta ao sentir que “aceitar o flerte” não é mais tão absurdo e distante como era há alguns anos. Ou um fiscal que inesperadamente se vê aceitando propina para facilitar algo que jamais cogitaria no início da carreira...
  O que aconteceu comigo?! nos perguntamos. A questão não é o que aconteceu, mas o que vem acontecendo. Que tipo de fermento vem ganhando volume em mim. Ninguém fica gordo de um dia para o outro, ninguém volta da academia na Segunda e vira sedentário na Terça. Ninguém ao menos sente saudade daquele que viu no dia anterior. Assim também nenhum honesto passa à “facilitador” em uma tarde. Nenhuma “surpresa matrimonial” aparece no dia seguinte a um dia verdadeiramente entregue ao amor.
  Já vi dizerem por exemplo que “a ocasião faz o ladrão”, mentira. O “ladrão” e suas possibilidades, as conjecturas sobre “como seria?”, a articulação de “e se eu fizesse?”, os pensamentos e as suposições já aconteciam internamente numa fermentação silenciosa e maldita. O que houve então na ocasião, foi tão somente uma Ebulição. O ladrão já havia.
  Assim como as construções, as desconstruções também são processos e não instantes. E é por isso que sou tendencioso a nunca aceitar com muita entrega, os “salvos-instantâneos”. Me refiro aqui principalmente aos maus-vícios, às mudanças de caráter, aos maus costumes alimentares. Não sou pessimista e tão pouco descrente dos milagres, só acho cômodo demais, superficial demais, esquisito demais transferir uma responsabilidade que é minha. Me esquivar de um combate que é meu. Covardia, não valentia. Esperteza, não expertise. É como levantar a mão num apelo de qualquer pastor e “pronto, agora estou salvo. Vou para o céu”. Pode até ser um marco, uma data, mas o negócio começa mesmo é no primeiro dia útil de trabalho, no primeiro dia de aula, no primeiro dia de trânsito.

  Até mais beleza eu vejo nos procedimentos, na labuta diária, na recusa do bolo e do dinheiro. Torna mais legítimo. E eu não sou desses que acha que “pra ser válido, tem que ser difícil”, não! Mas acho que alguns problemas de nossa natureza devem ser encarados com coragem e maturidade. Fica mais humano assim, e por isso vira celeste. Até Cristo em seu momento de dificuldade não usou de sinsalabim! ou pó de pirilim-pim-pim! Ele caminhou –literalmente- por sua luta sem fórmulas mágicas.
  As flores levam o ano todo para construírem a primavera, um pardal constrói um ninho graveto por graveto, as uvas levam anos para virarem vinho e mais ainda para virarem vinagre. Engatinhamos muito antes de andar e levamos anos para conseguir correr. Fiz muita bolha no dedo para conseguir tocar a Suíte para piano e flauta do Claude Bolling.

  Se tudo faz tanto sentido assim, cuidado com os pequenos favores, cuide dos grandes amores e coma mais salada. É que “de repente” tudo cresce...

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8 comentários:

  1. Não me surpreendo mais com o seus textos, moço. São sempre ótimos, sempre o que o meu "lado de dentro" precisa ler, em uma simplicidade que diz mais do que palavras difíceis. Continue na beleza de seguir escrevendo. Um beijo

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  2. Woou! Muito obrigado por ler Amanda!

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  3. A muito tempo eu não digo o que vou dizer abaixo, porque acho que, estou nesse processo.
    Inverso.
    Mas, estou indo.
    E, Deus resolveu falar comigo assim, através de você.

    Obrigada amigo.

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  4. Que texto lindo!!!! parabéns, Amei. bjooo

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  5. Nossa, muito interessante a analogia com a parábola, gostei!
    Belo e verdadeiro texto!

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  6. Um das melhores construções textuais que já fez, penso que há realmente um processo na transformação do homem quando crê em Cristo, a salvação/conversão é instantânea mas o processo de transformação/ santidade é uma caminhada, uma jornada, cheia de altos e baixos, de facilidades e dificuldades, de escolhas acertadas e erros...

    "As flores levam o ano todo para construírem a primavera, um pardal constrói um ninho graveto por graveto, as uvas levam anos para virarem vinho e mais ainda para virarem vinagre. Engatinhamos muito antes de andar e levamos anos para conseguir correr."

    Abraço!

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