2 velhos 1 sonho e 1 vida

 
Esperando minha conta num Café, sem querer, ouvi dois senhores conversando. Se não me engano, o de óculos vermelho era Olavo. O de terno, João. Depois de se amarrarem naquele abraço que só amigos saudosos e distantes por décadas conhecem, toda nostalgia foi se transformando em histórias. Cada um contando como a vida o levou nesses últimos 60 anos que estavam separados.
 Estudaram na mesma escola até o 3º colegial. Olavo já era apaixonado por fantoches e João já dizia que sonhava em aproveitar a vida e por isso ia trabalhar bastante. Aos 18, assim que João ingressou na tão sonhada faculdade, Olavo tirou sua habilitação para dirigir. Com mais dois amigos conheceu toda a costa brasileira, do Sul de São Paulo até a o fim de Pernambuco.
  Com 21, um comprou seu primeiro óculos vermelho e o outro acabara de ter seu TCC aceito pela banca, dizia que agora estava um passo mais perto do seu sonho de ser feliz. Lá perto de Caruaru, Olavo conheceu um grupo de artistas franceses que estava no Brasil pesquisando a cultura local. Conversa vai e conversa vem, conseguiu convence-los a leva-lo à cidade luz para estudar a arte dos poupées de marionnettes na Escola de Arte de Paris. Pouco tempo depois, aqui, João chegava em casa com a ótima notícia: havia passado no árduo processo de trainee e agora tinha até uma mesa!
  Quando João fez 25 já havia sido promovido 2 vezes e sua sala não parava de aumentar. Caso conseguisse essa que estava para concorrer, sua nova sala teria até uma janela com uma vista linda! Do Outro lado do oceano, o amigo artista estava em viagem com um outro grupo. Estavam em Firenze, de saída para Johanesburgo. Haveria lá um grande premio de novos talentos.
  Para o que ficava por aqui a vida também não estava nada fácil, mas ele sempre repetia que sabia que era uma fase necessária para um dia ser feliz e viver seu sonho. Entre papeis e falsos feriados, não parou de subir na empresa e seu salário foi cada vez mais fornido! Beirando os 30, achava que podia se permitir as primeiras férias verdadeiras, mas a empresa logo ofereceu uma oportunidade imperdível numa filial do Sul. Era o sonho da estabilidade financeira chegando mais perto!
  Agora na Ásia, o outro, que não ganhou aquele premio, animava com bonecos uma roda de crianças ao leste de Tóquio. Na noite do premio se apaixonou por Yukiko e agora passavam uns dias na ilha do Sol nascente para conhecer sua família e anunciar o casamento. Olavo estava terminando seu segundo livro sobre técnicas de fantoches e agora estava empolgadíssimo em estudar o kabuki (teatro japonês).
  Anos se passaram e aos 50 João já ocupava praticamente o cargo mais alto da empresa. Seu salário ultrapassava os 30 mil reais, morava numa cobertura perto da Av. Berrini, em São Paulo e seu filhos, Ricardo 11 e Pedro 13, haviam estudado e feito as melhores escolas de idioma da cidade. Pensando nisso, ponderou e resolveu que agora iria curtir a vida. “Chega de ser escravo! Vou viver meu sonho! Vou conhecer o mundo todo!” ele dizia feliz. No fundo, sabia que estava velho para andar o Caminho de Compostela ou cruzar o Deserto do Saara, mas haviam passeios mais “leves e não menos interessantes” para se fazer em 30 dias (prazo máximo das férias das crianças). Entrou na academia na mesma semana que completou 15 anos de casado.
  Anos se passaram e aos 50 Olavo estava de volta ao Brasil. Inaugurava em Londrina a maior escola de teatro do pais. Na inauguração, pessoas de todas as partes do mundo. Uma de cada lugar que o acolheu. Seus livros passavam dos 10 e o último era um apenas com fotografias tiradas por seus filhos, Henrique 25 e Nicolas 22, narrando as “Aventuras de um pai e dois filhos perdidos em Marrocos”.
  Interrompendo tudo, o garçom trouxe minha conta. Paguei e tive que sair meio ligeiro, mas não o bastante para deixar de cumprimentar aqueles óculos vermelhos e dizer:
“Muito obrigado por me ensinar que é melhor viver do que sonhar”.
Saí e os dois não entenderam nada...

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