22 de set. de 2015

Oração do Músico

Deus,
  de todas as  cartas que te mandei, guarde pelo menos esta.

Quando eu não estiver mais, que pelo menos minha música seja lembrada, pois foi tudo o que eu tentei ser.
Seja ouvida em viagens de casais enamorados, em qualquer estrada à dois.
Que seja cantarolada mesmo desafinada e com a letra errada, pelo bêbado que tem no cantar solitário o único atraso da morte.
Que a minha música seja sussurrada pela mãe que nina um bebê sírio, em meio a guerra civil.
Que eu tenha a honra de ser a melodia lembrada por um homem leve, que passeia com seu cachorro num domingo, e recolhe o cocô com uma sacola.
Qua minha música seja aquela tocada no ipod de um corredor no quilometro 41 da maratona, e o acelera emocionado. Porque ele achava que não dava, e deu.

  E sejam as minhas notas menos atrapalhadas que as minhas letras. Palavras ansiosas, que se acumulam sem muito enredo, mas embriagadas de Querer Bem.. E quando se agruparem, formem acordes mais bonitos que minhas palavras. E quando se encadearem, melodias Maiores, que toquem os corações que minhas frases não alcançam.

  E quando meu calar for longo como uma pausa de semibreve, que seja como o silêncio antes do beijo. Jamais um vazio.

Que a minha música seja usada em casamentos, que ainda que durem pouco, foram eternos no momento em que ela tocava.
Que console o fracassado. Alimente o miserável. Seja pelo menos um descanso no meio das perdas de quem só vem apanhando.
Que a minha música seja usada num vídeos de fotos bregas, que por serem bregas, fazem os outros rirem acreditando que aquele dia foi mais engraçado do que ele realmente foi.
Que o Vencedor e o menosprezado Segundo Colocado, tenham todos abrigo debaixo da sombra que eu sonhei que Ela fosse. Mas que tenha lugar cativo aos Últimos Colocados e então seja o som do evangelho de Cristo. Que faça todos dançarem ao mesmo rítimo, unindo os diferentes e trazendo dignidade aos excluídos.

Minha música me denuncia e me esconde. Me aprisiona e me liberta.
Amores, derrotas, sonhos e medos.
Valores, desejos, contos, segredos.
Idas e vinhos, vitórias e voltas.

Recebe de bom grado, Deus. Porque eu toco de coração.


Foto tirada pelo meu aluno Rodrigo Calabrez - Mendoza, Bodega do Salentien

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